sexta-feira, 27 de julho de 2007

A Senhora e o Homenzinho

Entrou irreverente no salão. Era uma figura curiosa de senhora. Pois nem o frio lá fora explicava a exuberância do casaco que a Dona vestia. As pérolas, me lembro que comparei as minhas bolinhas de gude que se encontravam no bolsinho do paletó por ordens severas de minha mãe. A pintura na pele não era pra esconder a idade, talvez para distanciar os olhos do salão que a olhavam numa tentativa discreta de serviçais.O perfume importado e que devia acompanhar aquela senhora por no mínimo o dobro da minha idade na época, encheu o salão e deixou-me tonto. Vi minha mãe olhando seus sapatos o que me fez olhá-los também. Sapatos pretos, um tanto grandes para uma dama encasacada e cheirosa. Esses mesmos sapatos que foram se aproximando aos poucos de mim.Recuei para junto das pernas de minha mãe e corajosamente olhei para ela. Era uma distancia tão grande. E então ela me olhou também. Curiosamente, sorriu. Todo o perfume, maquiagem e até o brilho das pérolas ficaram opacos para mim. O brilho daqueles olhos que viram tanto. Eu a olhei por tempo suficiente para que minha mãe me chamasse a atenção. A senhora saiu ainda sorridente.
Um dos homens que carregava suas coisas no dia seguinte me trouxe um cartão e um belo saquinho de bolinhas de gude, de tantas cores e tamanhos que as fizeram inúteis para o jogo. Levei o bilhete para minha mãe que trabalhava na cozinha daquele hotel. Ela começou questionando o saquinho em minhas mãos e logo parou. Levou a mão em sua boca e soltou um gritinho assustado típico de mamãe quando vê ratos. Abraçou-me e sorriu para o nada. No bilhete dizia o que aprendi ler anos depois:
"Ao corajoso homenzinho que encarou a Inglaterra."

A senhora deixou o hotel no mesmo dia.Foi quando ouvi as pessoas do lado de fora gritando: "rainha".