quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Deus e a moça

De lá pra cá, o que se passou com a moça?
Desconfiada, crê que nada tenha mudado, mas talvez ouse desafiar sua desconfiança e revele algo inédito desde o último ensejo com velas.
Deixou pra trás um amor não correspondido e roupas grandes. Ganhou um novo amor e um terapeuta com cara de falas decoradas e holofotes.
O que a moça não mudou foi a pinta na ponta do nariz, foi os dentes cerrados quando nervosa e seu mundo de idéias que gira tão insano, ultimamente.
O fato é que a moça não sabe mais quanto quer crescer. Não sabe a pobrezinha, se já passou do tempo, ou se ainda falta um pouco dele.
Os sorrisos congelados na parede não a deixam esquecer do que foi. Encara-os por tão pouco tempo, pois já não sabe como rir de tudo aquilo. Eles sim é que riem dela. Riem, sobretudo das franjas curtas e bochechas gordas que tinha, gargalham dos trajes do carnaval cotidiano que fazia e das caretas horrorosas, que mesmo incompreendidas, saltavam sem querer do seu rostinho rosa.
A moça espera continuar moça apesar dos anos, com a mesma mão quadrada do avô, com os mesmos olhos desproporcionais e pinta estratégica, mesmo que o cor-de-rosa de seu rosto venha numa caixinha com espelho e seu carnaval carregue etiqueta...Mas Deus permita que ela não controle as caretas.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A Companheira

O sono inebriava os pensamentos do moço. Era sublime como os sentimentos fazem coisas esquisitas com nosso estômago, pensava ele. Seus olhos carregados revelavam as fantasias da noite anterior, mas infelizmente, em alguma parte de seu corpo vivia uma minúscula frustração. Ele não sabia seu nome, mas a conhecia bem apesar disso: tinham a mesma idade, sexo opostos e brigas homéricas.
Ainda assim, riu-se de prazer pelas lembranças ainda tão frescas que faziam-o enxergar em suas mãos aquelas outras mãos. Acendido o abajour ao seu lado, beijou o leite do copo de vidro trazido por sua mãe.
Foi então que lembrou-se de sua insignificante companheira frustração e parou de sorrir, tinha desejo de voltar atrás com o pensamento, mas já não podia mais esquecê-la. Ele tinha tanta raiva da pobrezinha, e ela sendo então parte dele só morreria se o pudesse matar um pouquinho também...
Começou a sentir o cheiro dos ácaros no carpete, teve asco repentino do próprio corpo e do odor que descolava-se de sua pele e a essa altura o gosto do leite já azedara em sua boca.
As fantasias se esvaíram com o riso. Desacreditado e asqueroso apagou o abajour e cerrou punhos, olhos e pensamentos. Murmurou - Boa noite, frustração.
Ela sorriu...Em alguma parte de seu corpo.