segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bailo

"Para um vestido no armário"
E como despedida apresenta-me um vestido.
Eu, mesmo que apreensiva, peço permissão para tirá-lo para uma dança.
Caixa e papel manteiga consentem e ele se desdobra diante de mim como alguém que aceita sem muito pensar.
É a primeira vez que bailamos juntos e nem mesmo meu rosto com fingido ar sereno consegue secar, neste instante, minhas mãos.
O silêncio, pouco a pouco, me constrange e para calá-lo, pergunto sobre a família, o tempo e todas as formalidades que pedem os bons bailes. Ele, nada diz. Ofendo-me o suficiente para tentar em vão arrancar romance na costura da cintura ou palavras sujas por debaixo das saias. Nada.
Tão distante de mim, só percebo meus olhos molhados, quando o vestido enxuga minha tristeza. E por assim fazer e me deixar ainda pior, de mágoa rasgo-lhe um pedacinho. Arrasto-o também pelo chão frio e ocasionalmente, piso-o... Tudo, sem intenção.
Em meio a tanto desconcerto, a agulha da vitrola foge do risco. Caímos. Sem saber ao certo quem tropeçou em quem. Levando apressada. Minha cabeça se vira lentamente para seu lado como se de alguma forma eu pudesse evitar esse encontro. Aquele, sou eu.

domingo, 3 de maio de 2009

Despedida

O céu vai se despedindo da cor de vanila e nesse momento sinto o gosto do sorvete na boca. Morarei ali, além da montanha que abriga a favela, além do lugar que não tem eletricidade, próximo do arco-íris da infância. Meu destino é esse. Vou esquecer o último gole, a dívida e a hipoteca.Enterrarei a esposa e as duas meninas que envergonho.
Serei feliz ali, além do morro colorido, do esgoto aberto. Onde não há dor ou monstros da infância. Ali, nos meus desenhos de giz-de-cera, de árvores e mãos desproporcionais.
Ali, onde o rosto do sol, atrás da montanha, embala meu sono.