sexta-feira, 22 de junho de 2007

Mocinha







"Para Sabrina, rotineiramente encantadora"
(parabéns querida!)

De lacinho na cabeça
Um risinho envergonhado
É ela minha mocinha.

Fui ter com ela uma conversa,
Não tinha nada de mocinha
Era essa uma mulher.

E depois dela,
me vi mocinho
sem lacinho na cabeça
mas envergonhado.

Envergonhado, sem dúvida.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Little Wing

"Para Leandro Matsuda, um grande companheiro
para conversas revolucionárias."

Abri os olhos apenas, passara a noite em claro.Minhas mãos suaram constantemente e foram enxugadas no lençol puído que cheirava a suor, a uso constante de vários antes de mim que se encostaram ali. O dia era aquele. Os companheiros todos esperavam de mim a palavra final. A dor de cabeça me mantinha entre aspirinas e as armas pesadas. Um dia em um passado distante me trouxe hoje a esse porão. Sonhara, em minha juventude, em ser músico, tinha ouvido falar em Jimi Hendrix e sua “virtous guitar...”. Mas estava ali e afinava meu único instrumento com pólvora. Gritaram meu nome na sala.Fui até eles. Esperaram uma resposta. Falei algo encorajador que se espera de um líder. Não acreditei em metade das coisas que disse, mas eles gritaram satisfeitos com o discurso. A grande maioria dos companheiros da sala tinham a idade daquele garoto que ouviu o vinil de Jimi na casa de um vizinho.
Toda a banda munida com seus instrumentos, saímos do barraco prontos para tocar.
A pressão na cabeça era constante, apesar das aspirinas tomadas com rum. Os olhos vermelhos e o rosto suado deu sinal. Os instrumentos afinados tocaram lindamente, e o coro de gritos e choros também se apresentava no palco este dia. E de repente cai. Meu corpo ficou quente e mais molhado. Em dias, esse era o primeiro momento que a dor na cabeça passou. Sorri. O som da banda foi ficando cada vez mais baixo. Sorri novamente. Lembrei que não teria uma foto de uma garota bonita no bolso quando me encontrassem, mas aspirinas e um maço de cigarro. Antes de finalmente dormir silabei: “Take anything you want from me, anything. Fly on, little wing.”

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O cheiro, o sonho e o cimento

Os móveis pegaram poeira. O carpete continua manchado do vinho que seu pai derrubara por capricho na casa nova do genro. Os jornais começaram a empilhar e depois pararam de vir. A sua idéia de “a luz de velas” faz sentido agora que a energia foi cortada. Não lavei a roupa de cama, não pela preguiça de fazê-lo, mas porque ela ainda tem seu cheiro. Cheiro esse guardado com tanto carinho que não me permito ficar muito tempo enfiado em seu travesseiro. Meu cheiro é tão ruim.
Tua voz rindo estridente e tão irritante me fazia poupar a piada, que seria mais tarde contada apenas aos amigos. A casa não se silencia mais pois há uma porção de pedreiros trabalhando no prédio ao lado. Esses me poupam das poucas horas de sono e me lembram que o mundo ainda funciona. Uns ainda cantam ou assoviam músicas bregas de amor para as mulheres na rua. Parecem felizes ali, com seus assovios e sabendo que passarão a vida toda enterrados no cimento.
Parei de sonhar. Nunca fui religioso, mas pedi para aquele que você rezava, para que voltasse a sonhar. Ele não me atendeu, depois de um tempo parei de pedir. Em alguns momentos volto atrás, mas mesmo assim ele não me atende. Os amigos sumiram. Descobri-me um bom cozinheiro. Mas nunca ninguém experimentou, então não tem como saber se é realmente bom. Talvez eu convide aquela filha do síndico, ela é bem normal. Conheci-a porque seu pai a mandou aqui para perguntar-me sobre as contas de luz.
A risada dela é normal.Um pouco mais grossa que a tua. Os dentes são brancos. Dedos afilados, um pouco compridos demais para mim. Disse que voltaria depois para conversar. Ela é uma das moças que passa e os pedreiros fazem um coro. Olhei-a na rua pela janela cozinha, ela fez uma cara desgostosa aos homens, virou-se para frente e sorriu dissimulada. Você não faria cara alguma a eles. Apenas passaria. Eles assoviariam e gritariam qualquer coisa para que olhasse. E você mais uma vez, apenas passaria.
Os moradores me olham estranho agora. Isso quando os vejo por azar no corredor enquanto recebo o moço do mercado da esquina que me traz as frutas mais amassadas. Semana passada classificaria o leite que o mocinho me trouxe como semi-azedo.

A campainha tocou, era o síndico que parecia um tanto nervoso:
- Olha, a gente aqui do prédio não acha que você está muito bem, mal sai do apartamento, parece esquecer de tomar banho, ninguém nunca veio te visitar. Minha filha me disse que você comentou que sua esposa morava aqui...Mas você mudou pra cá mês passado...sozinho.

Ele fechou a porta. Dormiu ali mesmo no corredor por uns dois dias. Sonhou todo o tempo.Esqueceu-a. E nunca entendeu o porquê dos olhares assustados no corredor e os panfletos de auto-ajuda de baixo da porta...Ah, ele saiu uma vez ou duas com a filha do síndico, mas eles não se entendiam na cozinha.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Faz-de-pérolas

Desejo voltar ao meu mundo lúdico.
Aquele de guarda-chuvas e berinjelas.
Sem feiúras, sem mazelas.
Estaria eu montado em minha zebra colorida.
Ao encontro de uma dama acetinada,
Ora fada delicada, ora bruxa vagabunda.
Uma maçã (in)verde(nada) morderia e aos pés da bruxa calaria.
E quando fada me traria vida novamente.
Num incansável jogo de amor.
Bem como morte que traz a vida e a vida que traz a sorte.
Seguiria os tijolos amarelos até aquele fim indefinido.
E mataria o lobo a pauladas.
Mas então acordaria
Por causa de uma ervilha.
Uma insignificante ervilha amarela que Mendel explicaria.

O pescador

Ela entrou sorrindo com as amigas em um barzinho badalado da cidade.
Era o primeiro dia dele no novo trabalho, disseram que era corrido, mas pagavam bem.
Tiveram que esperar até que uma mesa vagasse.
Vestiu-se e esperou o gerente. Sempre teve vontade de entrar naquele lugar caro, faria-o pela porta dos fundos.
Perguntaram a ela sobre o namorado. Respondeu pouco convicta que as coisas iam bem.
O lugar estava cheio e os pedidos corriam em suas mãos nervosas, mas até então conseguia dominar bem os clientes “playboys”.
Uma mesa aguardava por elas, atravessaram o lugar acompanhadas por olhos curiosos.
Um casal o chamou para pedir a carta de vinhos.
Ela notou um homem alto que parecia um tanto apressado, mas que parou por um instante.
Ele viu um anjo no bar, e seu olhar devoto foi o mais perto que se permitiu chegar dela. Era a menina mais linda, perfumada e encantadora. Parecia diferente de todas e exatamente igual a um sonho distante.
Ela dissimulou tímidos os olhos.
O casal descrente da falta de atenção do garçom, reclamava alto.Ele não conseguia parar de olha-la.
Mais curiosa que tímida, ela lançou, novamente, seus olhos dourados ao pescador, que se mantinha agraciado com a visão.
Um outro garçom o chamou e exigiu providência. O casal ainda esperava a carta de vinhos, haviam pedidos a serem entregues e pedidos a serem feitos.
Ela foi pra mesa mais calada, se perguntando o porquê daquele momento. Instante brilhante que a fez senhora daquele olhar cativo do pescador.
Ele voltou a recente rotina, um tanto desatinado. Sairia dali bem pago mesmo sem receber salário.
Nunca a olharam de um jeito daquele. Descobriu-se dona de um outro alguém. Amou-se como se pela primeira vez. E viu-se refém de redes que poderiam nunca mais ser lançadas.
E não foram.
Ele perdeu o emprego.
Ela despediu o namorado.
Ambos... Noites de sono.