sábado, 26 de maio de 2007

A previsão no café

Cabelos loiros, roupas coloridas e surpreendentemente harmoniosas. Sorria animada de tempos em tempos com o livro entre suas mãos que seus olhos brilhantes acompanhavam com toda atenção.Não a conhecia, mas tomar o último gole de café sem antes ouvir sua opinião sobre qualquer coisa, seria o café mais amargo e arrependido que teria chance de provar. Como tirá-la do prazer da leitura sem que seu sorriso não sumisse por muito tempo?
Levantei rapidamente, cheguei perto de sua mesa e esperei atenção...Nada aconteceu.Tive que começar:
-Olá, importa-se em dizer seu nome?
Ela, sem tirar os olhos do livro , perguntou-me mesmo parecendo não querer ouvir resposta:
-E ganho o que em troca?
O que era aquilo? Quem em sã consciência faz uma pergunta como aquela?Mas agora minha honra estava em questão. Notei anteriormente a capa de seu livro que trazia figuras estilizadas de cartas de baralho e o título:"Tarô: Histórias de infortúnios e amores no jogo."
Comecei um pouco pensativo:
-Se me disser seu nome, te darei uma previsão do seu futuro - Ela agora me olhava e respondia sim com a cabeça- Uso uma técnica diferente de todas que você possa conhecer, que vai além dos búzios e cartas. Faço a leitura dos sinais de nascença, como pintas e manchas. E posso dizer seguramente que a pinta próxima dos seus olhos combinada com a mancha em seu pescoço significa paixão a vista.
Ela sorriu e puxou a cadeira me convidando para sentar. A partir daquele dia passei a acreditar em previsões. E depois de pedir mais uma rodada de café para uma longa conversa, questionei:
-Ainda não me disse seu nome...
-Pensei que era adivinho...
Sorri tímido, como não acontecia a muito tempo.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

O Italiano

Um sotaque forte, que confunde os ouvidos mais aguçados. Era charmoso e sofisticado, esse tipo naturalmente europeu, que encanta com uma palavra ou duas ditas no próprio idioma. Tinha uma postura diferente dos homens ordinários. Um terno caro da mesma procedência do dono; acompanhava belos sapatos recentemente engraxados. Tocou a testa, estrategicamente, com os dedos e olhou para mim, que disfarçava entre um gole de jornal, e umas palavras de café.Depois, ajeitou-se na cadeira, sem pretensão alguma de olhar-me de novo.Voltei ao meu mundo das idéias, deixando para trás a curiosidade sobre aquele senhor. Mas desci rapidamente as escadas dos meus pensamentos quando senti a presença do garçom.
-O cavalheiro que estava ali sentado, deixou uma gorjeta gorda para pagar suas despesas aqui.
Eu sorri, estava certa sobre ele não ser um homem ordinário:
-Hum, então talvez eu queira mais um café e um pedaço daquela torta.
O garçom riu pela primeira vez e com certa intimidade, sugeriu:
-Trarei um pedaço e embrulharei todo o resto para a viagem.
E saiu sem esperar resposta.Consenti. A torta da casa era a melhor da cidade e a mais cara também.Olhei para o lugar que o estrangeiro havia ocupado e seu cigarro ainda fazia fumaça apoiado no cinzeiro.Sorri.Subi as escadas novamente e fiquei ali até dormir.
Acordei algumas vezes durante a noite.Seria uma história para contar aos meus futuros namorados, filhos e até netos.Era tão nova e já me fora permitido apreciar tal cortesia.
Dias depois me encontrei com o italiano novamente, dessa vez num jornal em letras garrafais: MAFIOSO ITALIANO É ENCONTRADO NO BRASIL.
A torta durou mais tempo do que eu a observar o estrangeiro, mas ela, já não era a mesma.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Endereço

Era um outono como todos os outros daquela rua, sem nenhum sinal de que a estação mudara, a não ser pelo vento mais forte que apenas os mais astutos notavam.
Ele saiu do apartamento, cumprimentou o porteiro como em todas as manhãs e abriu seu Box de cartas do correio. Era sozinho, dificilmente encontrava ali algo mais que algumas propagandas. Dessa vez aparecera ali uma carta de verdade, nome a mão, meio amassada.
Para Cássio Lopez Souza, Rua Antonio Linhares, Ed. Fidellis, nº. 484, ap.7.
De Denise Avillar Cardoso, e seguia seu endereço que não era familiar ao homem.
Leu mais uma vez seu nome e o dela. Virou algumas vezes a carta por entre seus dedos, guardou-a no bolso do paletó.
No trabalho tirou-a do bolso e pensou em abrir, mas fazia tanto tempo, tudo estava tão diferente... Com ela possivelmente, já que sua vida continuara a mesma, sem grandes problemas ou alegrias.
“Querido Cássio,” -Querido?( Ele sorriu sozinho)
“O tempo não foi um dos meus melhores amigos como você,...”-Isso quer dizer que eu fui amigo, ou fui como o tempo?Ela continua sendo uma pessoa confusa...-“Admito que ele me trouxe duas filhas lindas...”- Lindas? Com sorte não puxaram o nariz daquele turco...-“Mas não se vive apenas de alegrias, sabe disso...”-Eu não sei nada, pra variar, lá vem ela colocando palavras em minha boca-“Não sei como começar...”-Talvez pelo começo seria ideal...-“ ...a verdade é que...”- Calma Cássio, faz tanto tempo! –“queria te pedir desculpas, sei que o recomeço é impossível”- Nem lembrava mais dela...talvez um pouco, mas nem quero recomeço, e ela soa como se eu quisesse...-“Não achei que você estivesse pronto pra mim...”-Meus pais nunca colocaram nenhuma fé no filho único, por que você o faria?- “...e na verdade, eu tive medo, era infantil e sonhadora, acreditei piamente nas viagens que faríamos, que você seria rico com a música, e teríamos cinco cachorros, gêmeos e uns três empregados...”-Nem lembrava disso, que bobagem...Chamariam Rita Lee Cardoso Souza e Francisco de Holanda Cardoso Souza...sorte que não tivemos filhos...(ria)-“Engraçado, ainda escuto aquela fita que fez pra mim, lado A – a música que me fez, lado B- a música que gostaria de ter feito pra mim antes do próprio autor (sempre achei isso engraçado)”- Engraçado escrito duas vezes na mesma frase? Talvez devesse ter tentado ser palhaço a músico! Os acordes eram dois,eu sei, mas ei, foi minha primeira composição, só tinha tido quatro aulas com aquele professor Yuppie, e a letra não era das piores...- “Mas não importa, isso foi a muito tempo, hoje nem lembro mais daquela aspirante a atriz, ou da garçonete distraída, mas lembro bem de você, dos dentes brancos, das sandálias amarradas em um tornozelo fino” – Ela me provocava toda vez com a piada do namorado que tinha dois cambitos, entrei na musculação depois...sai rápido também.- “Voltei no passado e não falo do presente, do meu presente. Estou com vontade de lembrar do passado me ajude nisso”- Ela diz que é impossível voltar atrás e agora quer reviver o passado? Novamente contraditória...como sempre.- “Me escreva, me visite, é só duas horas de ônibus, faça parte de minha vida novamente, pelo menos como um bom amigo” –Ah , então sou bom amigo e não como o tempo...Mas não vou ligar , não quero vê-la, não deve estar bonita como era quando jovem! Demorei alguns anos para tira-la da cabeça...Se de fato consegui...- “Saudades Denise.” Saudades? Quanta saudade?Só agora a sente?
A carta rasgou um pouco por causa do estudo meticuloso em cima dela, mas foi só.
Se encontraram uma vez ou duas. Ela constrangida pela carta, ele também, por não ter uma endereçada a ela.Mas admitiu em seus pensamentos: Ela não estava tão feia assim...

terça-feira, 15 de maio de 2007

crises espirituais de infância.

Procuro em meus pensamentos algo que valha a pena ser dito. Não encontro nada, mesmo depois de tanto tempo.O que me faz escrever realmente é a garganta ruidosa de uma gripe nada passageira e uma prova que sem estudo, me espera, estudiosa, no quarto. Não é nada primoroso ou apenas bem pensado.Classifico-o como uma desculpa grosseira para que os livros continuem a espreita e o própolis seja mais um (pseudo)vício dessa que tosse...e escreve também.
Contarei algumas coisas de infância que me foram reveladoras:
Como Sandy e Junior não serem namorados, mas irmãos.
A crise infantilmente tradicional da descoberta do papai noel que paga parcelado e o insight das pegadas mal-feitas do coelho no corredor, da minha "fé" de criança ao acreditar piamente em Adão e Eva num jardim real (sempre pensava que seria melhor Eva, do que aquela tola com a maçã).
Tive uma certeza grande que seria freira, quando pequena.
Minha fase de maior crença foi quando novinha, em uma prova de ciências- sim pois quando se é pequeno, Biologia é palavra muito difícil- me deparei com uma pergunta sobre algo relacionado as fases da borboleta ou algo assim que não importa pois minha resposta caberia a qualquer pergunta SUPER científica: Porque Deus a criou assim!Acho que poetisei um pouco mais (ou muito mais) que duas linhas sobre isso. Orgulhei-me com aquela resposta que deve ter servido a algumas outras questões na mesma prova. Chamei a professora, convicta de que Deus só tivesse conseguido tocar meu coração naquela classe cheia de crianças pouco espirituais aos meus olhos (verdes e desproporcionais naquela época). Ela chegou sorridente, leu e silenciou.Senti-me onipotente (ou me sentiria assim se com 9 anos soubesse o significado de onipotência). Com alguns anos de vida tinha silenciado uma professora.(O que seria daquela criança quando adulta). Mas queria mais e perguntei: O que acha? Ela: " Certo está, mas não queria isso." e me soltou uma cara meio amarrada de insatisfação. Não me lembro de minha nota. Lembro que senti pena dela (pobrezinha) que não tinha Deus muito presente em sua vida.
Naquele dia rezei por ela.
Ela, por mim, deve ter feito o mesmo: para que eu sempre pudesse pagar os estudos em colégios católicos, como aquele.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Brilhante

Era um anel de brilhante como aquele de minha avó, que se perdera em um baile de aleluia. Reluzia em uma mão juvenil e displicente. As unhas pintadas tentavam em vão esconder mãos calejadas de um trabalho digno do passado. Essas mesmas mãos que agora alisavam meus cabelos. Perguntei sobre seu anel. Ela riu, o olhou orgulhosa, e pensou por algum tempo. Depois bebeu a pinga barata de meu copo e o colocou de lado, vazio. Começou a me falar de um tal barão rico que a fez madame com dois casacos de pele, vendidos a um de seus clientes que daria a esposa como presente de uma fictícia viagem ao exterior; o anel de brilhante em sua mão e um filho bastardo abortado após o suicídio do barão pela queda do café. Ela me pareceu pouco deprimida pelo tamanho dos desastres em sua vida. O que eu era além de um estudante de direito em busca de uma aventura bem tradicional de minha época?E ao meu lado uma moça que apesar de pouca idade, era senhora de uma vida clandestina e obscura. Pensei em seus sorrisos ao falar de seu verdadeiro amante, de como pela primeira vez na noite seus olhos se iluminaram ao olhar o presente do passado.Conheci naquele momento uma entidade completa, uma verdadeira professora na arte da infelicidade. Levantei-me rápido, tropecei no copo vazio e apanhei meu casaco que parecia mais confortável que eu na cadeira. Ela me olhou agressiva, procurei não encontrar com seus olhos novamente. Bati a porta e ouvi ao fundo seu grito me xingando de tantos nomes terríveis que alguns não imaginava existir e me cobrando dinheiro pelo trabalho não feito, mas pelo tempo gasto. Voltei a pé para casa. Na sala, meu pai deu-me um sorriso orgulhosamente machista. Sorri, fingindo aceitar a honraria. Olhei para minha mãe-que dissimulada-pretendia dar atenção às flores nessa hora. Passei alguns dias a pensar na mulher, em seu anel, em seu barão. Voltei àquela casa que mesmo durante o dia parecia mal iluminada. Dei o dinheiro que fora combinado por nós, ao homem na porta. Sai feliz e convicto de que não me veriam ali novamente.
Alguns anos depois voltei. Paguei e consumi.Algumas vezes. E me tornei aquilo que me fizera correr naquela noite. Um solitário.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

A violinista

Sentei em uma poltrona desconfortável, e não diferente da maioria das pessoas, senti um chiclete que parecia completar alguns meses naquela inércia de orquestras e peças de teatro.
Disseram-me qualquer coisa sobre o apresento de hoje, um piano, um maestro e mais alguns instrumentos.
E naquele cenário inconseqüente as pessoas falavam, comiam, ou infelizmente - como o menino ao meu lado-faziam ambos ao mesmo tempo.
Mas como por uma prece minha ao deus da pouca socialização, toca o último aviso. Fiz uma cara feia ao garoto que calou tão rapidamente, despertando a atenção de sua mãe que me olhou com desaprovação. Fingi não ser pra mim.
Ajeitei-me na cadeira, abriram-se, então, as típicas cortinas vermelhas tão surradas e empoeiradas que causam tosse momentânea aos felizardos que conseguiram ingressos na primeira fila.
Entram os músicos, a platéia leiga bate palma, e penso mais uma vez que morar longe de um país democrático me faria feliz.
Começa a música, o maestro costura todas as notas dos instrumentos, uma mulher pobremente vestida para um evento daqueles, ocupa lugar de destaque junto ao pianista, mantém os olhos curiosamente fechados, tocando um violino que deve ter sido comprado na mesma época de seu traje. Logo já me esqueci do garoto que ocupava com seu bracinho gordo a maior parte do braço da cadeira que nos era comum. Nada mais via senão a violinista, de respiração pausada e gentil. Procurei a vida toda por uma mulher assim. Trataria-me da mesma forma que ela o toca: firme e carinhosa, passional, mas disciplinada pela partitura. Tive inveja de um violino curtido, e logo me lembrei que depois da bela música há sempre as mãos que não o tocam, mas o guardam. Resolvi parar de pensar, sublimaria aquele momento, esforcei-me para guardar fresca a música que poderia me lançar dias menos infelizes. E como em uma reverência cortês, as notas foram acabando até violino dar seu último grito abafado.
Levantei-me e aplaudi estaziado, perplexo, feliz. E sozinho.
Deve-se apenas expor qualquer emoção, seja ela vaia ou palmas, no FIM.
Sentei-me constrangido, a violinista me olhou com olhar sério e insolente. Aquele mesmo olhar que dei ao garoto minutos antes para que não incomodasse mais.
Na saída, segui para o carro de cabeça baixa, mas deixei como lembrança um chiclete de menta que terminaria seus dias ali. Entre palmas e olhares descontentes.