sexta-feira, 18 de maio de 2007

Endereço

Era um outono como todos os outros daquela rua, sem nenhum sinal de que a estação mudara, a não ser pelo vento mais forte que apenas os mais astutos notavam.
Ele saiu do apartamento, cumprimentou o porteiro como em todas as manhãs e abriu seu Box de cartas do correio. Era sozinho, dificilmente encontrava ali algo mais que algumas propagandas. Dessa vez aparecera ali uma carta de verdade, nome a mão, meio amassada.
Para Cássio Lopez Souza, Rua Antonio Linhares, Ed. Fidellis, nº. 484, ap.7.
De Denise Avillar Cardoso, e seguia seu endereço que não era familiar ao homem.
Leu mais uma vez seu nome e o dela. Virou algumas vezes a carta por entre seus dedos, guardou-a no bolso do paletó.
No trabalho tirou-a do bolso e pensou em abrir, mas fazia tanto tempo, tudo estava tão diferente... Com ela possivelmente, já que sua vida continuara a mesma, sem grandes problemas ou alegrias.
“Querido Cássio,” -Querido?( Ele sorriu sozinho)
“O tempo não foi um dos meus melhores amigos como você,...”-Isso quer dizer que eu fui amigo, ou fui como o tempo?Ela continua sendo uma pessoa confusa...-“Admito que ele me trouxe duas filhas lindas...”- Lindas? Com sorte não puxaram o nariz daquele turco...-“Mas não se vive apenas de alegrias, sabe disso...”-Eu não sei nada, pra variar, lá vem ela colocando palavras em minha boca-“Não sei como começar...”-Talvez pelo começo seria ideal...-“ ...a verdade é que...”- Calma Cássio, faz tanto tempo! –“queria te pedir desculpas, sei que o recomeço é impossível”- Nem lembrava mais dela...talvez um pouco, mas nem quero recomeço, e ela soa como se eu quisesse...-“Não achei que você estivesse pronto pra mim...”-Meus pais nunca colocaram nenhuma fé no filho único, por que você o faria?- “...e na verdade, eu tive medo, era infantil e sonhadora, acreditei piamente nas viagens que faríamos, que você seria rico com a música, e teríamos cinco cachorros, gêmeos e uns três empregados...”-Nem lembrava disso, que bobagem...Chamariam Rita Lee Cardoso Souza e Francisco de Holanda Cardoso Souza...sorte que não tivemos filhos...(ria)-“Engraçado, ainda escuto aquela fita que fez pra mim, lado A – a música que me fez, lado B- a música que gostaria de ter feito pra mim antes do próprio autor (sempre achei isso engraçado)”- Engraçado escrito duas vezes na mesma frase? Talvez devesse ter tentado ser palhaço a músico! Os acordes eram dois,eu sei, mas ei, foi minha primeira composição, só tinha tido quatro aulas com aquele professor Yuppie, e a letra não era das piores...- “Mas não importa, isso foi a muito tempo, hoje nem lembro mais daquela aspirante a atriz, ou da garçonete distraída, mas lembro bem de você, dos dentes brancos, das sandálias amarradas em um tornozelo fino” – Ela me provocava toda vez com a piada do namorado que tinha dois cambitos, entrei na musculação depois...sai rápido também.- “Voltei no passado e não falo do presente, do meu presente. Estou com vontade de lembrar do passado me ajude nisso”- Ela diz que é impossível voltar atrás e agora quer reviver o passado? Novamente contraditória...como sempre.- “Me escreva, me visite, é só duas horas de ônibus, faça parte de minha vida novamente, pelo menos como um bom amigo” –Ah , então sou bom amigo e não como o tempo...Mas não vou ligar , não quero vê-la, não deve estar bonita como era quando jovem! Demorei alguns anos para tira-la da cabeça...Se de fato consegui...- “Saudades Denise.” Saudades? Quanta saudade?Só agora a sente?
A carta rasgou um pouco por causa do estudo meticuloso em cima dela, mas foi só.
Se encontraram uma vez ou duas. Ela constrangida pela carta, ele também, por não ter uma endereçada a ela.Mas admitiu em seus pensamentos: Ela não estava tão feia assim...

Um comentário:

Rafael Milano disse...

Como é gostoso ler coisas assim numa tarde de domingo!

Beijos!

Rafael Milano