quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Mirella X Mirella

Mirella era uma mistura de palhaço do mal com psicopata. Ela me olhava sorridente e insandecida atrás da parede branca. Ela me assustava de tempos em tempos. Tinha a sensação que ela sempre estava muito perto. Por vezes, gargalhava para me mostrar todos os seus dentes assustadoramente afiados. Ela aparecia no espelho e muitas vezes tinha a impressão de que aquela era a Mirella mais nova (de quando tinha cabelos mais claros e finos), como naquela foto tirada no quintalzinho da primeira casa de sua recordação num sábado de inverno ensolarado.
Tinha por diversas vezes a sensação que Mirella gostaria de me matar.Teria gosto de ver meu sangue, mesmo que gozasse mais em ver meu desespero em fugir...Em fugir de mim mesma.
Eu acordei em algumas partes da noite, desesperada, tentando - em vão - não pensar em mim mesma com aquele riso hediondo e aquela vontade louca de ver a Mirella "em fuga" morta.
E sim, tive medo de mim.
Fazia tempo que não deixava pesadelos reinarem em meus sonhos.
Da última vez até guardei com saudade; era de uma bruxa que fugia de minha casa roubando coisas e tudo isso em desenho animado.
Animado...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

corrida inglória

Passo os dedos na parede branca, na tentativa de que eles se animem a contar algo bom de se ler. Imitam agora a cor da parede e se viram para mim, pedindo sugestões.
Não sei.
Tenho restos de histórias de ônibus, manchas de batom e pés sujos.
Não sei.
Moro numa casa que não me pertence, relaciono-me com pessoas em amizades de poucos minutos e tenho sempre uma teoria pra tudo.
Adoro falar sobre relacionamentos amorosos e no momento me contento em ser como a maioria das pessoas, na fuga ignorante de algo que só se corre quando não existe.
Mas eu juro que corro bastante!
E no fim do dia eu ganho tudo que não perco.

Dedos tolos...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um prato com figos, por favor!

Hoje de manhã, abri a porta do armário talhado em madeira que guarda a porcelana da casa, o jogo de talheres do dia-a-dia, a cesta dispensada para o pote de aveia, o mel caseiro - que já começa a açucarar nas bordas do vidro - as vitaminas, compridos e suplementos esquecidos ali; as castanhas e nozes murchas; uma porção de coisas desconexas.
Diferente de ontem, vi o prato fundo de porcelana pintado com outras flores - e o fio de prata da borda gasto pelo uso. Lembrei das vezes que aquele prato fundo assentava figos e pêssegos frescos nas tardes de feriado na casa de meu avô. (Tardes que agora me são tão significativas.)
Lembrei do cheiro da casa guardada pelo tempo, dos típicos sabonetes Granado e de suas camisas Lacoste.
E sim, o gosto daqueles figos doces na minha boca infantil que não existe mais.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Com sofá e sem história

Fim da semana. O sofá novo e -por isso - sem história suporta hoje todo o peso do meu corpo cansado. Suporta minhas orelhas inchadas pelos brincos de pérola falsa. Suporta minha meia-calça com um furo no joelho, mas sem explicação. Suporta todas as cutículas de todas minhas unhas displicentes. Suporta meus cílios pesados. Ou ainda mais pesados pelo rímel de marca barata.
Hoje disse a um amigo. A despedida é um caco de um cortejo fúnebre que se partiu em mil pedaços. Depois ri.
Partirei.
Antes de ouvir desse sofá a história que está por vir.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Terçois de domingo

Domingos me são inconvenientes.Colocam meu corpo embrulhado no roupão felpudo e sujo que não consegue nunca chegar até o cesto pela espera do próximo domingo.
Por causa dos sentimentos terríveis que domingos me provocam, mudei meus dias santos de comunhão para os sábados - o ápice de todas as semanas de minha vida.
E como recompensa de uma semana vazia ganhei - talvez da fada-do-dente- um terçol no olho esquerdo na manhã de dia envenenado.
Agradecida, vi meu domingo pela metade.

sábado, 29 de agosto de 2009

À deriva

Como de surpresa recebeu um beijo no meio das costas, na altura dos ombros. Se afastou. Eles eram sim, da mesma altura, mas o que se poderia fazer se a festa em questão pedia traje de gala. Por um segundo ele vacilou. Antes convicto de beijá-la às costas, agora a olhando de baixo, não sabia ao certo o que fazer com as mãos. Falaria o quê a um momento que não pede por palavras? Decidiu esperar. E esperou.
Ela ainda sentia o arrepio do beijo nas costas e confusa olhou para ele um pouco de cima, procurando sentido. Uma explicação que não veio.
Ela também hesitou. Esboçou um sorriso que se desfez em silêncio.
Apoiou a mão na parede branca do corredor e tirou os sapatos vermelhos.
Colocou os pés nus no carpete e esperou.

sábado, 15 de agosto de 2009

Dark Twenty

Lá se vão minhas idéias para um início arrasador. Tenho 33 minutos antes do fim do meu dia e o sentimento do mundo no peito coberto da camisa amassada de ontem.
Hoje vi dois abutres negros no céu azul divino enquanto esperava o homenzinho verde brilhar a minha frente.
Dois abutres no meio da cidade...Pensei que talvez pudessem estar esperando por mim.
Pegar-me-iam quando estivesse sozinha atravessando a rua.
Um abutre para cada década, pensei.
Ou talvez estivessem apenas para me alertar.
Esperariam por um bando maior para me tirar do chão.
Algo como 7 décadas e 7 abutres. Um bom número. Uma boa idade. Ou mais, isso fica a critério de vocês...
Ei, mas não pensem que me chateei com a presença de vocês. A última vez que vi bichinhos no meu aniversário, eles eram de isopor e isso faz anos. Não, não mais que vinte.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

o quarto

Unhas vermelhas arranham o carpete verde musgo de um hotel parado no tempo. O telefone empoeirado toca. E os lábios manchados de batom se descolam pelo susto. Ele toca e o lençol está amarrotado pela noite. Ele toca e o travesseiro do chão está sujo. Ele toca e ela se levanta tropeçando na calça jogada no chão do quarto. Toca e as gotas ainda descem pelo lençol. Ele toca e ela calça o sapato sem as meias. Toca avisando que a poça cobre metade da cama velha. Ele toca pela carteira no bolso da calça jogada no chão.
Ele toca e ela bate a porta as suas costas.

Ele não toca.

Jaz uma vida... Ou duas. Jaz um lençol branco e um telefone partido na cabeça de um infeliz.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Foi um Prazer!

"Aos amigos queridos de "Curral del Rey", nome aliás que aprendi com eles."

Ao que me parece, finalmente, o ciclo se fecha e com ele qualquer tentativa de união entre um mineiro e uma das senhoritas Granucci. As tentativas foram boas...
Falo por mim que fui feliz quando estive entre vocês, no bar de luz amarela, nas subidas e descidas da cidade (e das baratas), no cheiro do café na Savassi, nos tomates secos e pães (previsivelmente) de queijo que melavam os dedos e, por consequência, as cartas do baralho.
Mas a sorte está lançada e tenho certo que ainda nos encontraremos em livros e contos, em filmes lançados no cinema, em aulas virtuosas, em músicas dedilhadas no violão, em cozinhas sofisticadas, na ilha, nas minas, em qualquer lugar que nos faça querer estar...Sem ressentimentos, mas deixamos o hospital para depois!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bailo

"Para um vestido no armário"
E como despedida apresenta-me um vestido.
Eu, mesmo que apreensiva, peço permissão para tirá-lo para uma dança.
Caixa e papel manteiga consentem e ele se desdobra diante de mim como alguém que aceita sem muito pensar.
É a primeira vez que bailamos juntos e nem mesmo meu rosto com fingido ar sereno consegue secar, neste instante, minhas mãos.
O silêncio, pouco a pouco, me constrange e para calá-lo, pergunto sobre a família, o tempo e todas as formalidades que pedem os bons bailes. Ele, nada diz. Ofendo-me o suficiente para tentar em vão arrancar romance na costura da cintura ou palavras sujas por debaixo das saias. Nada.
Tão distante de mim, só percebo meus olhos molhados, quando o vestido enxuga minha tristeza. E por assim fazer e me deixar ainda pior, de mágoa rasgo-lhe um pedacinho. Arrasto-o também pelo chão frio e ocasionalmente, piso-o... Tudo, sem intenção.
Em meio a tanto desconcerto, a agulha da vitrola foge do risco. Caímos. Sem saber ao certo quem tropeçou em quem. Levando apressada. Minha cabeça se vira lentamente para seu lado como se de alguma forma eu pudesse evitar esse encontro. Aquele, sou eu.

domingo, 3 de maio de 2009

Despedida

O céu vai se despedindo da cor de vanila e nesse momento sinto o gosto do sorvete na boca. Morarei ali, além da montanha que abriga a favela, além do lugar que não tem eletricidade, próximo do arco-íris da infância. Meu destino é esse. Vou esquecer o último gole, a dívida e a hipoteca.Enterrarei a esposa e as duas meninas que envergonho.
Serei feliz ali, além do morro colorido, do esgoto aberto. Onde não há dor ou monstros da infância. Ali, nos meus desenhos de giz-de-cera, de árvores e mãos desproporcionais.
Ali, onde o rosto do sol, atrás da montanha, embala meu sono.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Agradeço.

Agradeço dormir ouvindo Chico a falar tonterias no ouvido da falsa Beatriz.
Agradeço Chico que em plena madrugada derruba leite por debaixo do meu Edredon.
Agradeço novamente Chico por me permitir dançar com seu Guri na manhã de sábado.
Agradeço a um novo amigo, partidário de Chico, torcedor do Politheama e defensor de Geni.
Pois é... Agradeço palavras, boas palavras na contracapa de um livro.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Erro de calendário

Um dia fará sentido os risos sinceros, os olhos molhados e as palavras desperdiçadas no vento.
Um dia fará sentido o corte horrível de cabelo, os aparelhos no dente e a pomada para frieira.
Um dia fará sentido o primeiro beijo esquisito, o tapa dado e recebido.
Um dia fará sentido a dor no peito e a consciência que não faz dormir.
Um dia fará sentido ter medo da morte e vontade dela.
Um dia fará sentido.
Então não haverá manhã ou chuva ou vento.
Não haverá mãe ou amante ou Deus.
Não haverá dia.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O amante

"Quatro são as necessidades básicas: comida, bebida, sono e sexo. De nenhuma das três primeiras fui capaz de transformar em ofício.”

Cuspia ele o texto pronto para qualquer pregador de Jesus ou testemunha de Jeová que o abordava. Tinha corpo de homem e rosto de anjo como um Dorian Gray sem quadro e carregava algo de suspeito nos ombros.

Passava suas tardes lendo no sebo de um amigo de profissão – que herdara do pai o lugar decadente e a vergonha.

À noite, nosso homem era antagonista de mulheres casadas, jovens curiosas e viúvas pudicas. Era verdadeiro amante das mulheres e em cada ruga e dobra de pele de suas musas, escrevia sua história. E lia tantas outras nos corpos nus desprendidos de recato.

Conquistava a cada uma delas como Quixote e os moinhos de vento e também permitia ser conquistado pelos cabelos soltos no travesseiro da manhã, pelos choros borrados dos lençóis, pela pele febril entre suas mãos e pelos risos histéricos no meio de um silêncio desordenado.

Numa leitura de um dia qualquer, congelou seus olhos num cenário de sua memória e sozinho naquele sebo, riscou um fósforo.

Antes que fosse abandonado pelo tempo – pois apesar de parecer, não era Dorian-deixou descansar seu coração no calor de suas mulheres de papel.

Sem culpa de ter amado mais do que o mundo pode permitir.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A casa

Volto a minha cidade de origem, a minha mansão de infância.E encontro o eco que vai, a cada palavra dita, diminuindo as mesas e cadeiras de madeira densa; vai amarelando as paredes brancas de peladas de figuras; vai, pouco a pouco, depositando a poeira nas grades da sala e na minha memória de pequena.
Descubro a muito custo - passado alguns anos de juventude e outras desventuras - que fui enganada.
Mas o eco então me esclarece: Não sente falta do mármore gelado nas paredes do banheiro, ou dos estalos da madeira do assoalho anoite. Sente falta é de quando não me ouvia, de quando tudo era música: o cortador de grama ligado de manhã, o Djavan no rádio da sala, as risadas, o chororô, os talheres sambando na gaveta, pão saindo da torradeira, os pulos com elástico na sala, a voz do Willian Bonner na tv, o barulho do bife na chapa industrial que papai comprou, as dancinhas na frente do espelho do banheiro, o borbulhar da água com gás na garrafa de vidro, o café e no fim do dia o obrigatório pedido de benção. Esqueça a casa, ela não é mais tua, ela é de alguma mosca branca.
Mas se queres um conselho: não vais se empoeirar nas ilusões da tua infância, procura a banda!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Mônica corta o cabelo.

Sem dúvida, com propósitos diferentes da Bernice de Fitzgerald. Mônica vê, pouco a pouco, os fios escuros desfilando no ar ou mesmo tantos outros presos às costas de sua blusa nova.
Caem com eles, particularmente, algumas gotas de choro e sem nenhum discurso planejado para explicar algo que não se precisa, ela sorri. Sorri como se pudesse esconder entre os dentes brancos e brilhantes, suas lágrimas.
Mônica corta o cabelo e aceita; o sono após a refeição, a centrifuga suja de cenoura mais de uma vez por dia, as rezas e mandingas, os olhos marejados dos personagens distantes, a comida “não comida” do avião e o varal de lenços que se estende na casa em frente ao mar.
Mônica corta o cabelo. E com ela, mais uma e outra e mais outra e mais uma outra.
Sim. Preparem mais varais.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Doenças da Estação

É estranho como esse resfriado me dá um certo prazer. Não que acordar de manhã com os pormenores da pastilha sabor cereja artificial tenha sido agradável ou mesmo a dor que me causou o primeiro gole de água do dia. Mas como negar o encanto do capuccino quente e a concentração de canela no ar que anestesia de mansinho tudo por dentro. Sem contar a estranha e aconchegante temperatura do corpo nesses dias de guardanapos de papel e mangas de agasalho.
E assim o dia todo vira charme; são as leituras desconcentradas no café, os gestos delicados e irresolutos na ponta do nariz, os olhos que carregam algo de quando despertei, o casaquinho leve que expõem as minúsculas partículas de poeira quando ao sol e a incrível sensibilidade que se desprende do corpo.

Ah, as tardes de sol e resfriado...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pela janela






Desenho uma janelinha no papel do bloco de notas. Ela me pergunta o que eu gostaria de ver. Eu respondo:

- Um graveto, um sofá estampado, uma menina ruiva com tranças até os joelhos.

Desejo ver Elvis numa balada romântica, uma plantação de melancia em morro e um macaco cor-de-rosa. Mariachis, galos de briga e mil balões em direção ao sol.

- Peça mais

Disse a janela.




* Convido os poucos leitores a pedirem o que gostariam de ver pela janela. Sem censura!

sábado, 3 de janeiro de 2009

Davi e Golias

Era um gigante de quase dois metros que esbarrou em mim.
Tão pouco tinha de soldado, era talvez covarde demais para isso, mas imagino que tinha um coração grande em contrapartida das mãos. Carregava algo de suspeito nos ombros largos e um tanto caídos. Algo que me fez sorrir algumas vezes enquanto pensava na batalha.
O problema dele era viver nas alturas e me fazer tão distante do céu.
E aborrecidamente cansada de preparar grandes planos e frases perfeitas enfrentei o gigante sem armas.
Era evidentemente desvantajosa essa guerra, porém por um desatino imaginei que seria bom sentir a nuvem nos pés de novo (mesmo que essa nuvem fosse se tornar apenas uma garoa de fim de tarde).
Recolhi os pedregulhos que vi no meu caminho e os lancei o mais forte e mais certeiro possível. Errei.
O gigante não caiu e eu?Bem, eu não cai também, mas meu palpite sobre ele foi perdendo alguns centímetros no caminho de volta para casa.
Às vezes, é assim mesmo, as histórias da bíblia são apenas histórias, mas Deus permita que meus pés não se contentem com algodão e o gigante...O gigante ainda será um grande homem, ele só não pode se esconder nas alturas.